Por Dom Reginaldo Andrietta - Bispo Diocesano de Jales
As catástrofes de Brumadinho, de Mariana
e outras pouco conhecidas, evidenciam o caráter criminoso da exploração
mineral no Brasil, feita por grandes grupos econômicos nacionais e
internacionais. O Estado, governos entreguistas e políticos que se
utilizam desse negócio bilionário são cúmplices desse crime. No entanto,
nós, cidadãos comuns, se formos indiferentes e omissos à lógica
econômica e política que propicia essa criminalidade, podemos “dormir
tranquilos”? Jamais, especialmente cristãos.
Pessoas e entidades cristãs, por se
proporem defender a vida e criar uma sociabilidade saudável, têm
responsabilidade especial frente a esse problema. A Igreja faz sua
parte, atuando de modo sempre mais lúcido onde a mineração é predatória:
solidarizando-se com as vítimas, promovendo ações que responsabilizam
as empresas mineradoras por seus danos e exigindo dos governos mudanças
do modelo historicamente cruel de desenvolvimento econômico, para
torná-lo social e ecologicamente sustentável.
O filme “Buraco do rato”, do Comitê
Nacional em Defesa dos Territórios Frente à Mineração, disponível na
internet, denuncia os interesses, especialmente internacionais, da
mineração predatória no Brasil, que começou com a invasão portuguesa, há
500 anos. A Coroa de Portugal declarou-se dona de todo metal
encontrado. Na República, a Constituição de 1891 garantiu a propriedade
aos donos de terras e minas de metais preciosos, favorecendo o uso
privado e insensato da mineração.
Nessa época, a Europa e os Estados
Unidos já usavam a liga de carbono e ferro para a produção do aço, razão
pela qual os ingleses compraram, em 1909, todas as reservas de minério
de ferro de Minas Gerais. A exploração desse minério passou a ser feita
por uma empresa de capital inglês. Em 1942, por um acordo com a
Inglaterra e os Estados Unidos, criou-se a Companhia Vale do Rio Doce,
fornecendo-lhes minério de ferro para a indústria, especialmente da
guerra, e para a reconstrução de países por esta destruídos.
Esses países se tornaram potências. O
Brasil, no entanto, conservou-se fornecedor de matérias primas para o
mundo, à custa de um desenvolvimento dependente, da exploração dos
trabalhadores, da miséria social e da degradação ambiental. Apesar da
Vale do Rio Doce ter se tornado uma das maiores mineradoras do mundo,
foi privatizada em 1997, pelo governo neoliberal de então, por um valor
muitíssimo abaixo do mercado, em cuja avaliação participou, ilegalmente,
um de seus compradores.
Seu leilão é objeto de ações judiciais
inconclusas. Restam, também, perguntas. O que valeu privatizá-la?
Melhorou a vida de seus trabalhadores e da população de seus entornos?
Se a fiscalização socioambiental de empresas estatais é escassa, não são
piores nas empresas privadas? Estas burlam mais as normas de segurança,
a exemplo do laudo da Vale, em Brumadinho, acusado de fraude. Ademais,
ao doar somas altíssimas a candidatos e políticos, visa sobrepor seus
interesses corporativos ao bem comum.
A justiça humana continuará cega diante
disso? A justiça divina não. Na visão cristã, Deus vê a opressão de seu
povo e o liberta (cf. Ex 3,7-8). A morte, causada por tão grandes
pecados, jamais será vitoriosa (cf. 1Cor 15,55). Cabe-nos crer na
possibilidade de transformações profundas em nossa coexistência e
mudanças radicais em nosso modelo perverso de desenvolvimento econômico e
social. Cristo ressuscitado é a razão de nossa esperança. Com ele,
poderemos dar um novo destino ao que é “Vale de Lágrimas”.
Jales, 07 de fevereiro de 2019.