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Governo de São Paulo recolhe apostilas já em posse de alunas e alunos em função de denúncia falsa

Setembro começou com uma surpresa para alunas e alunos da rede estadual de ensino paulista, propiciada pelo Governo do Estado de São Paulo.
Trata-se de censura aberta à educação, tendo como alvo as apostilas pertencentes a alunas e alunos do oitavo ano do ensino fundamental.
Sem quaisquer discussões e sem aviso prévio, o governador do estado retirou de circulação as apostilas, já distribuídas e em posse de alunas e alunos. Saiba-se: foi retirado o que já era de posse de discentes. O motivo? As apostilas do oitavo ano do ensino fundamental conteriam a alegada "ideologia de gênero" - conceito propalado por leigos desconhecedores de teorias educacionais e de ciências sociais. Sim! O sr. governador do estado se pautou por denúncias de leigos para tomar a decisão de parar o processo de aprendizagem organizado para centenas de milhares de alunas e alunos, em função da crença infundada de que algo havia de errado com o material didático, de responsabilidade dos informantes do governador.




O governador afirma que foi alertado sobre um "erro inaceitável" no material escolar da oitava série e que determinou o recolhimento das apostilas que já estavam em posse dos alunos há mais de um mês. Mas havia realmente algo errado com o material didático que justificasse uma atitude drástica e invasiva como esta?
Como professor, Mestre em Educação com ênfase nos estudos sobre gênero e sexualidade, convido a leitora e o leitor, mãe e pai de família, além de alunas e alunos a acompanhar a análise que segue e tirarem suas conclusões.
Em primeiro lugar, é necessário informar ao público que não há qualquer erro na apostila em questão. Qualquer professor minimamente informado sobre esta área educativa poderá confirmar isso. Simples assim. Caso houvesse erro significaria uma extrema incompetência da equipe gestora da secretaria de educação do estado, que teve meses para formular a apostila a ser usada na rede estadual paulista, além dos muitos anos anteriores para a produção das apostilas escolares. É de conhecimento público que desde há muitos anos é da política do PSDB, que administra o estado, se pautar por normas científicas nas questões que envolvem gênero e sexualidade na educação, com vistas ao combate de vários tipos de preconceitos.
Mas não é este o caso. Não há quem punir na equipe da secretaria de educação, que é reconhecidamente competente. O conteúdo em questão, reproduzido acima, está exatamente correto. Este conteúdo não está inserido na apostila por acaso, é reflexo das leis que condicionam a educação no país, deste a Constituição Federal, passando pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação e pelos Parâmetros Curriculares Nacionais. Tem como objetivo a promoção da cidadania e são resultado de pesquisas que existem há mais de 50 anos na área, para falar pouco; são empregadas nos países mais desenvolvidos do mundo e são facilmente inteligíveis para quem se propõe a entender o fenômeno da sexualidade e do gênero seriamente.
Por isso não representam um "erro". Representam sim, a chance de entendimento, via ciência, de uma parcela da população que sempre foi discriminada, a população LGBT, mas permitem também entender porque se submete a mulher à violência quando ela não se "enquadra" numa norma pretendida para seu gênero, a ponto de ser necessária uma lei "Maria da Penha", que no final das contas não faz efeito pleno devido a falta de educação da população. Por isso estes estudos, que são um importante fator de pacificação social, pois desarmam a violência, precisam alcançar a população comum, via escola. Assim estava sendo feito há anos.
Quando se fala em sexo biológico, até uma criança sabe que se trata da identificação pela genitália com a qual se nasceu. Mas quando se trata de gênero, um adolescente minimamente informado é capaz de dizer sua diferença em relação ao sexo biológico. A diferença é que a genitália não faz a identidade, o caráter da pessoa. Não existe uma natureza ligada à vagina ou ao pênis que determine a profissão, a função de um ser humano ou suas capacidades intelectuais. Assim se compreende que a identidade de "homem" ou "mulher" é algo construído culturalmente pela sociedade e que os conceitos que tentam limitar as possibilidades humanas em função da presença de uma ou outra genitália no corpo são apenas preconceitos a serem esclarecidos a fim de se evitar injustiças e violências que são justificadas em função de papeis impostos as pessoas, por exemplo, por tradições.
Esta á a verdadeira função dos "Estudos de Gênero", nome verdadeiro desta área científica tão importante.
Reduzir o destino, a personalidade, o papel humano, ligando-o à genitália presente em seu corpo é se prender a um pensamento raso e falso, pois o ser humano cresce pela sua mente e não pelo seu corpo; a sua identidade tem relação com as capacidades que este desenvolveu e não simplesmente foi dado de nascimento, de maneira predeterminada. Assim, qualquer pessoa, seja homem, seja mulher, pode ocupar qualquer função na sociedade, desde que se qualifique para tal. É este o maior objetivo dos Estudos de Gênero: entender e promover a justiça social tendo em vista o ser humano e não um pretendido mérito em função da genitália com a qual se nasceu.
Assim, a chamada "Ideologia de Gênero", expressão inexistente no meio acadêmico - científico, figura como uma forma leiga de deturpar os reais objetivos da ciência social, vendendo uma imagem falsa para a população, baseada na ideia que que tais estudos estariam promovendo uma "perversão moral", quando na verdade estes apenas esclarecem sobre a constituição do gênero e a da sexualidade humana. São instrumentos científico-analíticos.
É observado que as discussões que partem dos estudos sobre gênero e sexualidade desnaturalizam preconceitos no ambiente escolar e contribuem de maneira significativa, visível e sensível, para o alívio de tensões relativas a papéis sociais no ambiente escolar e também na sociedade. Mediante o esclarecimento científico é que se esclarece e se pacifica a sociedade.
Assim, quem se dispuser a estudar seriamente o assunto, de maneira independente e livre de conceitos previamente adquiridos constatará facilmente que na verdade está sendo retirada a oportunidade de um aprendizado importantíssimo para alunas e alunos, conquistado por estudos desenvolvidos por décadas, amplamente empregados no primeiro mundo, para a simples satisfação política de uma parcela da população que sequer conhece o assunto e foi alimentada por notícias falsas que só fazem indispor injustamente e ridiculamente a sociedade contra a escola, contra a ciência e contra educação. Que ninguém se iluda com este enganoso discurso! Na educação não há leigos!
Tais estudos tem uma base sólida e existem de longa data; não são conduzidos por "opiniões", mas sim por investigações e análises. Cabe aqui uma comparação que me parece no mínimo justa: quem diria a um médico como deve ser feita uma cirurgia, sem ser médico? Quem se acharia na autoridade de interromper uma obra para dizer a um engenheiro responsável como deve ser fundada uma ponte? Quem se acharia no direito de inventar e sugerir regras a um piloto de avião? Quem dirá ao juíz como julgar uma causa? Mas no caso de professoras e professores, da Ciência e da Educação, muitos se acham no direito pleno de opinar, sem sequer conhecer sobre o tema, acreditando simplesmente no que recebe pelas redes sociais e se esquecendo que todos os profissionais anteriormente citados passam pelas mãos de professoras e de professores, os quais, diferentemente dos primeiros, são obrigados por lei a uma formação continuada pelo resto de suas vidas profissionais.
O resultado é que os indivíduos com a mais profunda formação profissional, que inclui uma visão social esclarecida, estão na categoria de professoras e professores, de pesquisadoras e pesquisadores. Por isso países desenvolvidos ouvem professores. E por isso também são desenvolvidos.
Estariam todos estes profissionais, pesquisadoras e pesquisadores, professoras e professores sem saber o que estão fazendo? Estaria o conhecimento científico consolidado em mais de meio século de pesquisas e aplicação incorreto frente a opiniões leigas retiradas de redes sociais e de pânico moral propalado por irresponsáveis que não oferecem assinatura para o que dizem?
Por isso é necessário analisar tudo com cautela e dar voz à ciência, do contrário todos perderão ainda mais.
Diante dos acontecimentos relatados, quem conhece educação e ciência relativos ao caso somente pode oferecer a seguinte afirmação: não há motivos para tal censura e não está correto o que foi alegado. Em poucas palavras, o governador foi levado por uma denúncia falsa.
A cidadania de São Paulo hoje perdeu. O Brasil perdeu.
Como professor, espero do governador do estado uma atitude contrária a esta: a atitude de quem está posto para atender a educação, defendendo-a de ataques sem sentido como este, em benefício de toda a sociedade.



A. L. Carolli - Cidadania e Reflexão
Professor, Esp e Me. em Educação, Doutorando em Educação.

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